domingo, 9 de fevereiro de 2014

Em busca da palhaça perdida - parte 3647

Depois de tanto tempo sem escrever sobre meu trabalho, meus processos e os caminhos que ando percorrendo, cá estou eu novamente. Escrever é sempre uma forma de refletir, um dasabafo, uma urgência que nem sempre eu consigo concretizar, mas hoje eu desejo e posso me permitir este momento, então vamos em frente por que o fluxo não pára.
Ano passado realizei um sonho, montei um trabalho solo, que me permitiu viajar muito pelo meu estado, conhecer muitas pessoas, ouvir e ser ouvida, recebi risos e lágrimas que foram impagáveis e claro recebi algum dinheiro que dá aquele incentivo pra seguir adiante com os sonhos e pagar as contas também. Mas, aquela eterna inquietação seguia me dizendo que ainda tinha muito trabalho pela frente. A construção deste trabalho estava apenas começando e esta primeira montagem era apenas a base para tudo o que ainda há de vir pela frente. Embora com muitas fragilidades técnicas e de dramaturgia, eu sempre soube desde o início que este seria o trabalho da minha vida. Bom a primeira e talvez mais difícil etapa estava realizada, ultrapassar o medo de estar só em cena, vestida com o tal nariz vermelho que sempre me instigou tanto a seguir caminhando, mesmo quando a dúvida (ainda muito presente) se fazia soberana no meu caminhar.
Bom, como dizia anteriormente, eu sentia a cada apresentação que necessitava fazer mais, refinar o trabalho, me apropriar de técnica e desbravar um bocado mais os meus abismos. Sentia que estava mais do que na hora de ter outro olhar sobre o que eu estava fazendo, pois sozinha não estava dando conta de ver a mim, ver a Marmotta, ver o todo do trabalho e ver o público com o respeito que este merece. Conversei com algumas pessoas por quem eu tenho muito respeito e admiração pelo trabalho e resolvi pedir ajuda, uma orientação, um olhar, umas dicas, sei lá, qualquer coisa que viesse pra acrescentar no trabalho.
Nessa busca quase desesperada tive a felicidade de reencontrar com o Esio Magalhães que viria a Porto Alegre ministrar uma oficina. Quase sem pensar escrevi pra ele pedindo que ele visse meu trabalho enquanto estivesse aqui e que se possível me desse um feedback. O Esio, foi super gentil e disse que faria o possível. Resolvi fazer a oficina, mesmo já tendo feito uma outra oficina com ele em 2010. Na ocasião foi impossível que ele visse o meu material, então ele surgiu a oportunidade de nos encontrarmos em janeiro de 2014 em SP para realizar a tal orientação. Ficamos em contato por uns 3 meses até finalmente fecharmos as datas e o local do trabalho. Daí em diante foi só ansiedade. Na ocasião o Esio me fez algumas perguntas, que eu não conseguia responder e isso me deixava ainda mais desesperada. Aos poucos a alegria por estar quase realizando o sonho te trabalhar com este mestre, ia se transformando em pânico. Eu morria de medo de chegar lá e não conseguir nada, de congelar e não fazer nada, e nada de bom sair de mim.
Eis que chega o tão esperado dia D. Malas feitas, despedida da família e a primeira grande ruptura. Sim ser palhaço exige rupturas, exige que abandonemos os casulos, que nos coloquemos a beira de abismos, e assim vamos sempre descobrindo que nossos limites são além do que imaginávamos e eis a beleza de tudo isso, (des)cobrir-se e deixar que o público nos veja o que realmente somos.
Tão dolorosa a despedida da filha, ainda tão pequena pra compreender que a mamãe precisa fazer isso. Tão lacrimosa a partida, vendo aquele rostinho inocente acenando como se a mamãe fosse alí, rapidinho e já voltasse. Ela não sabe da passagem do tempo, dos dias, ainda não entende que saudade dói. Tudo pra ela é momento presente. E eu, estupidamente sofrendo no táxi a futura saudade, já antevendo os 13 dias mais longos da minha vida, e vertendo lágrimas que pareciam infindáveis. E dentro uma voz, já velha conhecida, dizendo pra mim: "pra que isso? olha quanto sofrimento, quanto investimento, e pra que? Pra seguir insistindo numa ideia idiota. Acha que trabalhar com um mestre vai te fazer melhor?". E por outro lado uma outra voz que dizia: "já que tá na chuva então se molha de verdade, abre os braços e se joga". Fico as vezes impressionada com a minha capacidade de ser tão cruel comigo mesma. Mas enfim, isso é assunto pra terapia.
Chegando lá em SP, aquela sensação de ser um micro-organismo dentro de um macro macro mega power cosmos. É tudo muito.
Mas também foi muito o carinho e o acolhimento que recebi dos amigos, especialmente da Letícia que acolheu a mim e a minha empreitada na sua casa encantada.
A Letícia é uma fadinha encantada e lógico que só poderia viver numa casa também cheia de magia.
Dalí em diante foram 12 dias de trabalho diário. 12 dias tentando entender as coisas, e aceitando que meu tempo de entendimento é um bocadinho esticado. 12 dias de muito aprendizado. 12 dias banhada por muita generosidade. 12 dias de suor e lágrimas (eu choro muito). 12 dias de redescobertas. 12 dias de encantamento por mim, pelo meu trabalho, pelas minhas escolhas. 12 dias aprendendo novidades e relembrando coisas esquecidas. 12 dias que iam enchendo meu coração de gratidão e amor. 12 dias que poderiam ser 24, 36, 48 ... 12 dias em que a saudade de casa e da filhotinha foram suavizados pela busca de mim mesma, pela entrega ao trabalho e principalmente pela alegria de estar lá trabalhando e aprendendo.
De volta a casa, sinto saudades da rotina de trabalho, das conversas com o mestre, sinto falta de ter um olhar sobre as minhas ações me apontando outros caminhos. Mas mas do que a saudades, sinto orgulho de ter realizado este desejo de ir lá buscar mais para mim e para meu trabalho. Sinto uma profunda alegria por ter caminhado rumo ao que me faz feliz. E agora tenho ganas de trabalhar  e trabalhar todos os dias, de fazer do suor do trabalho físico um combustível potente para o que pretendo construir. E assim eu sigo. E assim eu vou em frente.
Comecei esta semana a ensaiar sozinha e exercitar meu olhar sobre mim mesma.
e vamos que vamos.
Com força, fé e fôlego. E com muita alegria de ser quem eu sou e estar onde estou.
Gracias a la vida!

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